© FAUNA, janeiro de 1953, Ano XII, Número 1, pág. 25
Uma competição "sui generis"
Texto: Prof. Mair Pereira Leite
Fotos: Hélio Carpes Jacques
Seqüência de fotografias apanhada no dia em que se realizou a
competição do concurso do "curió" na vizinha cidade praiana - O
vencedor da competição -
- os cinco juízes que lutaram novamente para acertar o vencedor - O
vencedor entre os quatro juízes que proclamaram a vitória de "Galego"-
O primeiro concorrente derrotado é que levou tremenda vaia - Foto
gentileza do Sr. Prof. Mair Pereira Leite.
São Pedro é tradicionalmente protetor dos pescadores, já que essa era
a sua humilde profissão, antes de seguir o Divino Mestre. O Santo
discípula pela sua incomensurável bondade, segundo as Escrituras,
passou a ocupar um posto espinhosíssimo. Velar pela distribuição dos
mananciais celestes. E foi assim que o querido velhinho atendendo ao
apelo de Santo Humberto, padroeiro dos caçadores, fez quebrar uma
tradição em Santos parou a chuva que copiosamente caía na cidade
praiana, justamente num domingo! E o 26 de outubro amanheceu
radioso de luz e claridade!
O paciente leitor, certamente, estará pensando que vou descrever uma
competição que teria como pseudo marcador de performances o
pluviômetro. Não, nada disso, o que ora irei descrever para os amigos
de "Fauna" será o desenrolar da competição mais sensacional e inédita
que imaginar se possa.
Já assistimos a várias modalidades de competições, ou ouvimos falar
das mais incríveis façanhas de pacientes amestradores de animais. Um
exemplo disso é a maliciosa história de Mark Twain sobre os
possuidores de sapos grandes saltadores. Os contendores, lídimos
representantes dos batráquios, portanto, segundo as palavras do
admirado escritor, ganharia a aposta o anuro que desse maior pulo! E o
ponto alto da história era aquele em que um dos proprietários
conseguiu grande soma de dinheiro, em apostas porque, às escondidas,
enchia a pança do pobre batráquio de bolinhas de chumbo!
Entretanto, fazer um sapo saltar não é lá grande proeza. mas, "torcer"
para que um pássaro cante mais que outro, isto é coisa que somente
maníacos do bel canto dos animais alados podem compreender.
"Fauna", que dia a dia vem se impondo entre caçadores e pescadores
do litoral, por isso mesmo, graças aos amigos que ela já possui,
recebeu amável convite para assistir ao concurso dos mais
emocionantes e inéditos destes últimos tempos.
Quando recebemos o convite nos seguintes termos: Concurso do
Curió, duvidamos pensando em alguma peça. No domingo de 26 de outubro, encaminhamo-nos para o local
indicado, Av. Presidente Wilson, 70, um terreno à beira mar e
razoavelmente arborizado. Sob o ponto de vista técnico, pareceu-nos
ideal para concurso de canto para pássaros, notadamente o famoso
conirostro sul americano.
Entramos logo em entendimento com os promotores do certame, Srs.
Alceu Amaral (Presidente) e Francisco Marques (técnico) e colhemos
informações preciosas e interessantes.
Primeiramente, capacitamo-nos do êxito da empreitada pela
considerável assistência que ruidosamente lotava a parte destinada aos
torcedores.
Dos 50 concorrentes inscritos, 30 já se encontravam, antes da hora
marcada para o início, com suas gaiolas devidamente cobertas para que
o pássaro, ao entrar em contacto com a claridade, sentisse ímpetos de
dar largas ao mavioso canto emanado daqueles pulmõezinhos
minúsculos, mas cheios de vitalidade. Seus proprietários, tal qual donos
de galos de briga, faziam rodinhas contando vantagens que tenho até
vergonha de contar aqui, tal a fanfarronice e idolatria aos seus pupilos
de penas avinhadas...
Soubemos, entre outras coisas, que há pássaros curiós, que vale mais
de cinqüenta mil cruzeiros (para os donos, naturalmente!) e que para
incentivar ainda mais a criação e aperfeiçoamento dessa ave canora é
que se estava tentando realizar o Primeiro Concurso que se tem notícia
no Brasil.
Logo de início, os primeiros concorrentes chamados se apresentaram
carregando as preciosas aves.
Decorridos os 10 minutos de praxe ou regulamentares, um dos
proprietários cuja ave "não deu o ar da graça" ou, melhor, "não abriu o
bico", levou tremenda vaia.
Para que o leitor tenha idéia de uma torcida de curiós, ai vai essa
maravilhosa frase dedicada a um dos perdedores, por um torcedor
humorista:
- Ei, esse curió tá bom é prá ser comido com arroz!
E dezenas de frases assim cansamo-nos de ouvir cada vez que
trocavam de competidores. O concurso que teve um desenrolar animadíssimo, contou com a
presença das seguintes autoridades que ali foram levar o testemunho
de uma cooperação digna de louvores: Orlando Esteves, inspetor de
Caça, Thomaz Mattos Smith, Luiz Marques Cantinho, Sebastião Vilela,
fiscais do Departamento de Produção Animal, representantes da
imprensa local e de outros clubes de Santos.
Funcionaram como juízes os seguintes senhores: Moacir Carlos
Santos, Armando Porvarim, Agenor Cachulo, Uriel Campos e Arnaldo
Fernandes.
Para essa competição foi usado o seguinte Regulamento, a título
experimental:
(Esse regimento acha-se na pág. 52)
© FAUNA, janeiro de 1953, Ano XII, Número 1, pág. 25
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© FAUNA, janeiro de 1953, Ano XII, Número 1, pág. 52
CONCURSO DE CURIÓ
REGULAMENTO
1 - Todos os concorrentes ao entrarem no recinto onde se realizará o
citado concurso, deverão assinar seu nome e receber uma ficha que
deverá ser devolvida na saída, sem a qual não é permitido sair com a
gaiola.
2 - Não é permitido desensacar a gaiola sem consentimento dos
juizes.
3 - É expressamente proibido negociar nas imediações do local do
concurso (Lei imposta pelo Instituto de Caça e Pesca).
4 - O curió que for desclassificado deverá ser imediatamente
ensacado, para não prejudicar os demais.
5 - O tempo de espera para ser julgado o canto do Curió é de...
minutos; ao ter-se esgotado o tempo regulamentar e o pássaro não cantar, será desclassificado.
6 - Não é permitido fazer a inscrição no dia do concurso.
NB - Pede-se respeito e consideração para com os juizes.
Resultado final do certame:
BEL CANTO: 1º lugar Sr. Benedito do Espírito Santo (popular bigode).
Nome do curió: Galego.
2º Lugar: Sr. Américo Ramos. Nome do curió: Macaco.
REPETIÇÃO: 1º lugar, Sr. Agenor de Arruda Campos. Nome do curió:
Papa.
2º lugar: Sr. Álvaro Carvalhal.
FIBRA E VALENTIA: 1º lugar, Sr. Heitor Roman. Nome do curió:
Serelepe.
O MELHOR PARDO: 1º lugar, Sr. Arthur Esteves. Nome do curió: Xodó.
Aos vencedores foram ofertados magníficos prêmios.
Antes de encerrarmos este pequeno comentário, queremos renovar os
nossos parabéns aos idealizadores do notável concurso, ao mesmo
tempo que sugerimos aos criadores de outras cidades que também
formem as suas equipes de avinhados logo, pois teremos campeonatos
intermunicipais.
© FAUNA, janeiro de 1953, Ano XII, Número 1, pág. 52
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